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Terça-feira, 20 novembro de 2007

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Doenças mentais estão entre as que mais afastam brasileiros do trabalho

Depressão lidera as 10 principais causas de incapacitação; outras 4 patologias semelhantes estão no topo da lista

Simone Iwasso

As doenças mentais são responsáveis por cinco das dez principais causas de afastamento do trabalho no País - sendo a primeira delas a depressão -, o que representa um gasto de R$ 2,2 bilhões por ano, o equivalente a 19% dos custos com auxílios-doença pagos pela Previdência Social a um universo de 1,5 milhão de pessoas. Os números aparecem num levantamento sobre a infra-estrutura dos serviços de saúde mental no Brasil feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em parceria com o Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

O estudo foi divulgado ontem no seminário Ação Global para o Aprimoramento Mundial da Saúde Mental, parte de uma iniciativa da publicação científica inglesa The Lancet, que neste mês compilou uma série de artigos sobre saúde mental e seus impactos em vários países, entre eles o Brasil.

“As doenças mentais são as que mais incapacitam as pessoas e os gastos com a assistência representam apenas 2% do orçamento do Ministério da Saúde. Observamos um grande descompasso entre o impacto das doenças e o investimento no cuidado com elas”, afirma o psiquiatra Jair Mari, professor da Unifesp e responsável pela pesquisa. Ele enumera os problemas: depressão, esquizofrenia, transtorno bipolar, abuso de álcool e episódios de violência, que podem estar relacionados com várias patologias.

Sem diagnóstico precoce, sem acompanhamento adequado, essas pessoas aparecem na rede quando já estão totalmente incapacitadas e as doenças atingiram um estágio crônico. “Para lidarmos com tudo isso, o relatório aponta para a necessidade de essa fatia do orçamento aumentar para cerca de 5%, para conseguirmos melhorar a rede de atendimento, principalmente a atenção primária, que pode ser feita em parceira com as equipes do Programa Saúde da Família, que precisam ser treinadas”, completa.

Esse é justamente um dos principais desafios apontados pelo estudo: apesar de a rede estar aumentando, ainda não há locais suficientes para assistência a portadores de transtornos mentais. A oferta cresceu depois do início da reforma psiquiátrica, que prevê a desativação dos antigos manicômios por centros de atendimento psicossocial, chamados Caps, e por leitos de internação em hospitais gerais.

“A gente tem os dados do sistema, mas muita gente nem chegou a entrar nas estatísticas, fica trancada em casa, incapacitada. Há um estigma muito forte, as famílias ainda não sabem o que fazer e os profissionais do Saúde da Família conseguem chegar aonde a rede de atendimento não chega, eles vêem essas pessoas, mas não estão preparados para diagnosticá-las e tratá-las”, conta Ana Maria Pitta, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

“Na minha família existem pelo menos 30 bipolares. Eu tenho a doença, minha filha também tem. Os serviços psiquiátricos públicos são terríveis. Ninguém em surto pode ficar meses esperando”, conta a filósofa Cássia Janeiro, de 44 anos, que acredita que falta conscientização e uma maior seriedade dos próprios profissionais da saúde para lidarem com os pacientes.

“Dentro de casa o tratamento é inadequado, as pessoas comuns não sabem o que fazer com um doente mental. Há um preconceito muito grande com a doença psiquiátrica. O sujeito que bebe e chega alcoolizado ao hospital não é simplesmente um bêbado vagabundo”, diz ela, que está escrevendo um livro sobre o convívio com a doença.

CONCENTRAÇÃO

Outro problema é a distribuição desigual tanto dos serviços quanto dos especialistas: somente em São Paulo , há quase o dobro dos psiquiatras de todo o restante do País. Atualmente, existem 5,2 mil psiquiatras em exercício no Brasil, uma média de 2,83 profissionais para cada 10 mil habitantes. Na América Latina, são 4,66 profissionais para cada 10 mil habitantes.

Os Caps, centros de atendimento, somam 841 unidades em todo o País. Mesmo com o fechamento dos leitos, ainda existem 228 hospitais psiquiátricos tradicionais - alguns deles, como o Hospital São Pedro, em Porto Alegre , com moradores totalmente incapacitados e vivendo no local há 30, 40 anos.

Há também 476 residências terapêuticas, casas para abrigar até oito pacientes que conseguem realizar tarefas do dia-a-dia sob supervisão de um especialista. O projeto, recente, tem servido como exemplo para abrigar alguns ex-pacientes dos antigos manicômios.

INFÂNCIA

Os pacientes muito jovens - na infância e na adolescência - recebem menos atenção ainda, de acordo com o relatório. Há apenas 66 Caps voltados a esse público. Na prática, o que acaba acontecendo é que jovens dependentes de álcool ou drogas, sem alternativa, acabam sendo levados para a Justiça e encaminhados para locais de internação, como a antiga Febem, em São Paulo.

“Até 2003, não havia nenhuma política de saúde mental. Depois que foi definida, estamos nos estruturando. Falta mesmo atenção ao jovem, é um dos nossos maiores desafios, até porque, onde não existe atendimento, ele acaba indo para a Justiça e percebemos que onde há os Caps já se consegue uma estrutura melhor”, afirma Pedro Gabriel Godinho, responsável pela área no Ministério da Saúde. “É realmente um perfil que precisa de atenção especial, até porque, quando não recebe, a situação vira uma bola de neve.”